Entrevista de número #3 está no ar! 🚨

 Nós conversamos com uma pessoa cheia de histórias e boas risadas. O super carismático Ed Chavez, baixista da banda Crexpo. Além de baixista, o Ed é sonoplasta, locutor e um grande entusiasta do basquete!

Falamos sobre criações, shows, inspirações, vida, realizações de sonhos, movimentos negros, confinamento, trabalho, enfim, teve de tudo um pouco! Aquele papo fluído que rendeu bastante, já que o Ed encontrou duas pessoas que, assim como ele, adoram uma conversa ✌ 

Essa entrevista foi feita online, no dia 12 de julho de 2022, conduzida por essa que vos fala (Ornella) e pelo Artur. Bora lá:

Artur: Fala, Ed! Tudo bom?

Ornella: E aí! Obrigada por aceitar nosso convite!

Ed: Imagina, gente! Valeu vocês! Por aqui tudo certo, nos conformes.

Ornella: Você estava comentando que trabalha como editor de podcast. É um mercado que cresceu bastante na pandemia, né?

Ed: Sim, inclusive estou montando um curso pra molecada aprender a montar podcast, editar, conseguir fazer sozinho. Edição básica, porque tem edições que são mais técnicas, que tiram diversos ruídos. Particularmente não curto muito, eu acho que tem coisas que são naturais da fala e que podem ser mantidas. Se o conteúdo é legal, essa parte mais técnica de ruído passa batido.

Artur: Maneiro! Nós pensamos em lançar aqui como áudio, tipo podcast. Mas como somos novos, achamos que o público seria pequeno.

Ed: Olha, eu acho um erro pensar assim. Pra você ter ideia, eu já tinha ódio daquele Flow Podcast, mas esse ódio conseguiu se multiplicar por mil. Assim, podcast é um âmbito gigante, tem muitos tipos, mas quando apareceu o Flow, todo mundo achou que só poderia ser naquele modelo.

Modelo com câmera e dois idiotas falando merd*, entupindo o rabo de dinheiro e com milhões de visualizações. A realidade é longe disso, se você tem um podcast que 15, 20 pessoas te escutem, já está válido.

Eu uso essa lógica pro meu lado artístico também. Eu tive a experiência de rodar o país tocando com bandas anteriores, agora tá rolando uma parada legal com o Crexpo, tipo, sexta-feira nós tocamos com o Onyx e RPW no Carioca Clube e estava lotado! Realizando um sonho de infância mesmo. 

E agora no sábado vamos tocar em outro pico grande, mas depois vamos tocar no Festival de Rock de Perus, sabe? Provavelmente vai ter menos pessoas, a estrutura é bem diferente, então, não é pra quantas pessoas você fala, mas pra quem você fala.

Às vezes você está falando com um milhão de pessoas e não está atingindo ninguém. Às vezes você faz um show para 5 pessoas e muda a vida dessas 5 pessoas. Produzir conteúdo é isso aí.

Crexpo onyx
Crexpo com a galera lendária do Onyx. Fonte: Instagram

Artur: Concordo, cara. Nós às vezes ficamos preocupados com o que o algoritmo entrega e esquecemos de simplesmente fazer as coisas só por fazer.

Ed: Sim, e o algoritmo tá cada dia mais cruel, bixo! Uma conversa que ninguém se atenta é sobre a ingenuidade de achar que usamos plataformas gratuitas e que isso nos daria liberdade.

Ornella: Na verdade nós trabalhamos gratuitamente para essas plataformas e damos nossos dados para elas. 

Ed: Isso vai desde conteúdo pessoal a banda, arte, o que for. Você abastece o YouTube, o Spotify, o Instagram e não recebe nada em troca. Eles te deixam refém, quando tem um conteúdo que interessa a plataforma, eles te dão uma parte desse dinheiro, que você nunca sabe o valor total que você gerou para a plataforma. Quando não interessa mais, acabou, segue pro próximo que interessa.

Ornella: Infelizmente é isso, é uma lógica de descarte.

Ed: Sim. E eu sou um pouco mais velho, mas acho que vocês ainda viram a rua, né? Viram essa transição do analógico para o digital.

Artur: Pois é, você viu muita coisa, não foi? Nós nascemos nos anos 90, mas você já estava dando rolê. Conta um pouco aí pra gente.

Ed: Olha, em 1993 eu vi o primeiro show do Racionais aqui no meu bairro. Foi o lançamento do álbum Raio X Brasil, eu tinha 13, 14 anos.

Ornella: Que animal! Deve ter sido uma grande experiência. Nessa época nem na quebrada o Racionais era tão conhecido, né?

Ed: Não! Ainda estava expandindo. Quando Racionais apareceu era algo muito nichado. Era o rap que estava começando no Brasil com uma banda que tinha um poder de persuasão muito grande. Era tudo no boca a boca. 

Era aquela cultura preta, os caras do Clube da Cidade, de balada de preto. E tinha essa cultura de bailes nas periferias em escolas de samba, que cediam às quadras para fazer festas de samba e de rap. Então nessa época eu vi Reinaldo, que era o príncipe do pagode, vi Thaíde também.

Eu sempre fui muito musical por causa dos meus pais, mas na escola eu escutava rock. Era engraçado que rolava uma troca de discos na minha escola. Eu estava lembrando disso ontem, porque caiu um trampo no meu colo para uma rádio grande aqui de São Paulo, de fazer um acervo sobre o rock nacional começando por Legião Urbana, que é um das minhas bandas favoritas! 

Em 1988 eu tinha 10 anos e saí sozinho pela primeira vez para ir até a Lapa comprar um disco deles. Enfim, quando peguei esse trampo, liguei pra moça dizendo que o texto estava maravilhoso, mas as músicas que ela escolheu não eram ideais, então assumi o B.O. para selecionar o material. Até a chefe dela me elogiou quando ouviu a seleção, foi bem legal!

Ornella: Olha que massa! Então o som tá na sua vida desde sempre, até pelo o que você disse, do seus pais serem muito musicais. 

Ed: Sim, bastante. É que nos anos 80, aquele “3 em 1” era nosso brinquedo, né? Para mexer tinha que pedir permissão e, se riscasse um disco, put* que pariu! Já levava aquele “pescotapa” hahaha. Então, escutava desde Paulo Diniz, Alceu Valença, AGP, trilha sonora de novela por causa da minha mãe, rádio, rádio cidade.

Ornella: As trilhas sonoras de novela foram um grande formador musical brasileiro, isso é interessante.

Ed: Era uma bagunça! Essa bagunça toda predomina na minha vida. Teve o segundo Rock In Rio em 91, que teve uma coletânea que tinha A-Ha e Judas Priest, New Kids on The Block e Megadeth no mesmo disco! Acho que eu tenho esse disco até hoje, aliás.

Rock in rio
Lista de músicas no álbum Rock in Rio II – Internacional. Fonte: Mercado Livre

Artur:Tem Run DMC também!

Ed: Tem! Olha, eu sempre escutei de tudo, mas o rap foi um movimento que eu vi meio que nascer, mas não sabia o que estava acontecendo, era algo muito novo, ia mais de embalo. No colégio era o rock, mas na quadra era o rap, nessa época eu já jogava basquete. 

Então era aquela coisa: vou escutar rap? Vou escutar rock? E quando você é adolescente você quer fazer parte de tribos, né?

Ornella: Sim, apesar de ouvir de tudo, essa fase da adolescência trouxe essa pergunta de  “qual que é meu rolê”, é isso?

Ed: Sim! E no colégio eu era de uma turma que era todo mundo muito junto, maloqueira, que gostava de causar e escutava rock. Mas eu também jogava basquete, e na quadra era rap pra caralh*, Public Enemy, Run DMC, Racionais, Nação Hip Hop.

Artur: Isso em que ano mais ou menos?

Ed: Cara, entre 1993 e 1995.

Artur: Então já tava rolando Onyx?

Ed: Já! Onyx depois veio com uma música com o Biohazard. O Marcelo – amigo meu de infância que hoje em dia é o baterista do Crexpo – me mostrou o Biohazar, eu falei “fod*u, é isso aí, mano!”.

Artur: Juntou os dois!

Ed: Tudo que eu amo tá aí! É o rock e o rap tudo misturado. Depois veio o Bodycount que é uns negão tocando metal.

Artur: Também teve Anthrax com Public Enemy.

Ed: Sim, o Bring The Noise! Mas eles vieram antes, acho que é de 1991. E antes disso teve o Aerosmith com Run DMC, que explodiu, mas era algo mais pop. Mas o Biohazard com Onyx era algo mais underground, gangueiro, era mais a nossa praia. 

E aqui em São Paulo também tinha uma banda que misturava os dois gêneros que era o Código 13, um rap com banda, tinha a música “Foge Garoto”.

Esse show de sexta-feira com o Onyx foi muito louco, um sonhão que se realizou! Esse mês de julho tá me fazendo relembrar de muitas coisas do passado. No mesmo evento tinha o RPW, e aí lembrei da primeira vez que vi eles ao vivo, que foi no no show que eles participaram do Cypress Hill em 1995 ou 1994 com Planet Hemp. Vinte e poucos anos depois estou tocando com Onyx e com eles, como o mundo é muito louco, né?

Depois, na segunda-feira, me pediram para fazer esse trabalho na rádio, fiquei tão feliz com o resultado que só hoje já escutei duas vezes como ficou! hahaha. Para esse trampo, eu tive que fazer uma ordem cronológica dos discos do Legião Urbana, aí quando chegou na hora do “Dois” do Legião, eu lembrei de eu chegando em casa quando criança e colocando o disco na vitrola. No “Três” eu já conseguia cantar Faroeste Caboclo inteira.

Enfim, eu fui ouvindo disco por disco e consegui ver com muita clareza as fases do Renato Russo, de quando ele descobriu que estava doente até o último disco que é super pra baixo, mas tentei terminar a playlist mais pra cima hahaha.

Ornella: Muito bacana que você está podendo realizar esses momentos, de tocar com quem você viu quando era novo, enfim, isso é sensacional. Sobre o Legião Urbana, não sou muito fã, mas o Renato Russo tem algumas letras interessantes.

Ed: Eu entendo a molecada de hoje não gostar de Legião Urbana, porque vocês não viveram a época que eles estavam estourando.

Ornella: Entendo seu ponto, mas em minha defesa vou revelar que meu pai gostava bastante, então foi uma das bandas que cresci ouvindo. Ao longo do tempo, ali na adolescência foi deixando de fazer sentido, não me agradava mais. Porém, concordo que hoje em dia a galera fala mais mal do que deveria, não acho que seja tão ruim assim como dizem.

Ed: Legião Urbana pra mim é como Raul Seixas, a galera fala mal porque é legal falar mal. 

Ornella: Concordo, aliás eu curto muito os discos do Raul Seixas!

Ed: Se você for parar para analisar a escrita do Raul Seixas, você vai ver que ele era um gênio. Vejo o pessoal pagando pau para o Johnny Cash, mas Raul Seixas era tão foda quanto. São caminhos diferentes, claro, mas precisamos parar de colocar sempre os gringos em um pedestal, entende?

O Raul Seixas, durante a ditadura, conseguiu levar o rock para o povão, em um país que não é do rock e isso é incrível. E foi o que o Legião Urbana também fez, acho que eles incomodam mais por ter conseguido chegar na massa. Tem bandas que extrapolam todas as barreiras. 

Acho que a última banda que fez isso foi o Raimundos. São aquelas bandas que o seu professor da universidade conhece e gosta, assim como seu porteiro e a doméstica, enfim, atinge todo mundo, saca?

Artur: Pelo menos Raul Seixas e Legião Urbana envelheceram bem, diferente do Raimundos hahaha.

Ornella: Olha, eu acho que envelheceu mal mesmo, não curto a banda e nem nunca curti. Porém, o primeiro trabalho do Raimundos é bem crossover, claramente influenciado pelo Suicidal Tendencies, por exemplo. E eles conseguiram chegar nas pessoas fazendo um som assim, enfim, deram essa sorte de ficarem famosos.

Ed: Eu concordo um pouco com o que você falou. Não foi sorte porque eles cresceram no Brasil em uma época que tinha muitas bandas boas, muitas mesmo. Lógico que era inusitado você pegar uma banda de hardcore e misturar com forró. Ainda tinha o carisma absurdo do Rodolfo.

Ornella: E a gracinha, né? Fazer piada, usar do humor, as letras cheias de bobeiras, enfim, isso atinge bastante as pessoas também.

Ed: Sim hahaha. E era uma fase mais musical do Brasil também, era pós ditadura, tinha instrumento bom chegando. Então, eles acabaram fazendo um rock bem classe média. Na periferia o que estava começando a bombar era o rap mesmo.

Ornella: E o rap também não era bem visto, hoje todo mundo escuta, mas era algo que sofria um preconceito forte nos anos 1990, sustentado por racismo e classismo disfarçados de gosto musical.

Ed: Totalmente. Essa época foi toda meio maluca, porque tinha essa molecada fazendo muito sucesso e, honestamente, se a pessoa não tem uma base emocional e pessoas em volta que querem seu bem, você pira, porque é muito dinheiro, viagem, droga, interesse, enfim, deu pra ver como muita gente envelheceu super mal.

Pra mim, nessa época, tiveram algumas tragédias no rock nacional: Sepultura em 1996 lança Roots e se torna a maior banda de rock nacional, lembro que era o som da minha escola, todo mundo com camiseta da banda e aí o Max saiu. 

O pessoal migrou para o Raimundos, mesma coisa, era a banda do momento, aí o Rodolfo deixa a banda. Dessa vez todo mundo migra para o Charlie Brown Jr, que foi  a última banda a arrastar a multidão para o rock, só que o Chorão morreu novo também. 

Depois de muito tempo, o Planet Hemp voltou, tentando arrastar a molecada para o rock, o que é engraçado, porque são dois rappers hahaha. E eles estão tocando aí até hoje e se tornaram gigantes também, o que é legal.

Ornella: Sim, o Planet Hemp tem feito diversos shows e isso é bem legal. Essa coisa de “rock” pode ser lida não só como o som, porque tem muitos tipos, vertentes, jeitos de se fazer algo, enfim…mas acho que diz respeito a trazer uma ideia diferente pra molecada através do rock, é tipo isso? 

Ed: Olha, pra mim o rock aqui no Brasil envelheceu muito mal, virou coisa do tiozão de moto clube que fica falando como tudo no passado era melhor e que fala mal de funk. São os caras que falam que rock é coisa de gente inteligente e as pessoas que escutam outras coisas são burras, acho isso um papo super sem vergonha. 

Rock é diversão e isso é característica de qualquer tipo de música. Todo mundo quer sair e se divertir, ver os amigos, chapar o melão e curtir um som bom. Nesse sentido, o Charlie Brown Jr. foi o último respiro dessa coisa mais adolescente, sei lá, não é bem “adolescente”, não sei se é essa a palavra.

Ornella: Eu entendo o que você tá querendo dizer, o que está em extinção é o famoso “roqueiro de praça”. Que é a molecada de mais ou menos 14 anos, que ficavam nas pracinhas dos bairros. Usavam a camiseta do Evanescence, Guns N Roses, do Charlie Brown Jr., enfim, esse tipo está mais difícil de achar.

Ed: Nossa, sim! Sumiu mesmo e isso tem um motivo sério, que é o fato do rock ter se afastado da periferia. Quando entro em algumas conversas com amigos, eles reclamam que não gostam de funk, que é um som esquisito.

Honestamente, esquisito aqui no meu bairro é eu e o Marcelo, que somos dois pretos com camiseta de diabão, tatuados, enfim, nós somos os roqueiros e nós somos os diferentes aqui. Eu toquei no Brasil inteiro, mas nunca consegui tocar no meu bairro.

Essa semana eu até estava vendo de tentar tocar aqui, com uma estrutura legal, para que a molecada tenha a mesma experiência que eu e meus amigos da periferia tivemos nos anos 80 e 90, de poder ver uma banda tocando ao vivo, sabe? 

A única coisa que eles têm nesse sentido é dentro da igreja. Nada contra a igreja, tem músicos muito bons, mas acaba sendo o único espaço que eles conseguem ver uma banda. Seria legal eles terem a experiência de música como diversão, fora do culto.

As bandas só vão ser grandes aqui no Brasil quando for acessível ter instrumento na periferia. Nós sabemos que ter banda é caro, uma guitarra meia boca é mil reais, uma bateria então, é muito caro. Se tornar isso acessível, mais pessoas vão poder trocar figurinhas e ir fazendo o que acham melhor, mas hoje em dia todo mundo quer ser beatmaker, porque é mais fácil.

Artur: Mas isso porque o processo de você aprender a usar um Fruit Loops crackeado no computador é muito mais rápido e eficiente do que um instrumento. No instrumento, além do preço, tem a posição da mão certa, se o Sol está certo ou não. Agora no Fruit Loops já tá tudo certinho, é mais tranquilo você aprender pelo Youtube. Tanto que tem muito amigo meu que primeiro aprende no computador e depois vai pro instrumento.

Ed: Sim, concordo, mas ao mesmo tempo, pra fazer bem feito requer as mesmas coisas de um instrumento, que é tempo, muita dedicação e horas de estudo. Eu tentei fazer uns beats e achei legal, mas fiquei com vontade de dar um soco no computador hahaha, enfim, não é uma coisa simples.

Isso de o pessoal aprender primeiro no computador e depois ir fazer no instrumento é muito doido, é outro mundo mesmo. Eu tô tendo o privilégio de acompanhar o crescimento de 4 sobrinhas minhas – média de idade entre 4 e 7 anos – e é muito engraçado, elas não se prendem a estilo musical, a playlist que criei com elas é doida!

Nessa Playlist tem Luan Santana pra uma, Gloria Groove pra outra, Kiss que elas gostam também, enfim, aquela bagunça hahaha.

Ornella: Que fofas, cara hahaha. E é muito legal que você está colocando a música na vida delas, igual foi contigo. Hoje elas devem conhecer mais coisas do que você quando era mais novo, né?

Ed: O nosso google era a MTV. Terça feira tinha Yo, quarta o Fúria Metal e quinta o Lado B, era uma mistureba. Esses dias eu postei uma música do Sunny Day Real Estate no Instagram e a galera veio falar “Você ouvindo isso?” e eu respondia “Lógico! Qual é o Problema?”. Sempre escutei de tudo. Lógico, minha vida é o rap, o metal, o rock…música extrema, né? Com a mesma naturalidade que estou escutando Krisiun, eu escuto Lenine.

Artur: E qual será o equivalente do seu primeiro disco para sua sobrinha? Será que ela vai comprar cd ou disco quando for mais velha? Ela já teve contato com esse material?

Ed: Olha, esses dias eu achei um celular velho e ela achou muito chato porque tinha que digitar e não era touch hahaha.  A Sofia, que é mais grudada em mim, está começando a perceber as coisas agora, do jeito dela, né? Agora está percebendo a diferença da estrutura da cidade, por exemplo.

Quando eu levo ela pra dar uma volta, ela percebe coisas tipo “Tio, aqui não tem muito prédio, né?” ou “Nossa, porque essa casa é feia?”. Aí eu falo “Olha, não é feia, é que faltou material para terminar”.

Aqui perto de casa aumentou muito a quantidade de favelas por causa da pandemia, então às vezes eu paro no farol, ela fica olhando e diz “Tadinhos, né? Eles moram na casa de madeira”. Ela associou a casa de madeira aos Três Porquinhos, então ela falou “Sabia que se o Lobo for ali e assoprar, eles vão ficar sem casa?”.

Putz, na hora eu tive que fingir que isso não me atingiu, mas meu olho encheu de lágrima, aí buzinei pra ela se distrair e parar de fazer pergunta difícil, sabe? Enfim, criança é uma esponja, ela absorve tudo da maneira dela.

Mas voltando ao que estávamos falando, eu não sei como vai ser, porque o mundo em que eu cresci não existe mais, o material físico não é algo que faça parte da realidade da nova geração.

Eu estava conversando esses dias com o BA, estávamos em um show e o pessoal estava filmando com o celular, o que é bem normal hoje em dia. Aí comentei com ele que quando éramos mais novos, para ter registro de um show era só se alguma rádio estivesse captando. E essa captação demandava um monte de equipamento, geradores, enfim, pra sair o material depois de um ano e olhe lá.

Eu acho tudo isso muito doido e ando pensando sobre essas transformações do mundo, como a vida está se transformando, né? Acho que a pandemia também deu um empurrão para algumas tecnologias virem à tona, até a parte de fazer home office e reuniões online. Acredito que essas coisas iriam demorar para acontecer e hoje já vemos que muitos trabalhos fazem mais sentido nesse formato. 

Agora eu estou podendo trabalhar de home office e está sendo ótimo, não perco tempo no trânsito, acabo cansando menos, mas tenho noção de que isso é um privilégio. 

Crexpo banda
Da esquerda para a direita: Marcelo BA, Ed, Douglas e Xnadão. Fonte: Instagram

Ornella: Sim, muita coisa rolou nesses últimos dois anos. Aliás, o Crexpo existe desde antes da pandemia, não é? Porém, é uma banda recente. Como foi durante esse período? Como vocês lidaram com tudo isso?

Ed: A Pandemia mudou tudo pra mim, foi uma mudança em 180º, a minha vida de antes da pandemia não existe mais. Antes eu tocava em uma banda que eu não me sentia feliz, tinham muitas diferenças políticas e sociais entre a gente, não estava rolando mais. Lembro que falei para o BA (Marcelo, baterista do Crexpo), depois de um show gigante que fizemos, falei “Olha BA, se eu não estou feliz agora, que é o maior palco que já tocamos, não tem mais porque estar aqui, eu tô fora”. 

Isso foi em 2017. Aí fiz os últimos dois shows que já tínhamos marcado e que foram muito ruins em termos pessoais, rolou desentendimentos. Então, antes da pandemia, eu e o BA já estávamos ensaiando juntos. Somos amigos de anos, sempre fizemos isso de tocar juntos, então começaram a sair algumas músicas bem legais.

Aí encontrei o Douglas (guitarrista) em um show e já chamamos ele para tocar, nesse primeiro ensaio já conseguimos ir montando meia dúzia de músicas. Sentimos que deu química com o moleque. 

E aí precisávamos de um vocal, na hora pensei no Xandão, então mandei a música pra ele. O cara se empolgou e já colocou letra e me mandou de volta, coisa de 1 ou 2 dias. Olhei para o BA e falei “fechou!”. E aí voltou a ser divertido, de ter aquela coisa de todos estarem juntos criando músicas.

Enquanto isso, minha banda antiga acabou, mas a gente já estava focado no Crexpo, então não fez a menor diferença. Ficamos 2018 inteirinho ensaiando e em 2019 gravamos umas músicas e a receptividade foi absurda! 

Marcamos shows e, quando fomos soltar nosso EP, veio a pandemia. Imagina que você tá com o foguete entupido de combustível preparado para decolar e aí vem alguém e joga um balde de água.

Passei 2020 literalmente trancando, com um medo desgraçadop de pegar essa porr* e não peguei até hoje. Aqui em casa 4 pessoas pegaram, meus irmãos e sobrinhas. E a cabeça deu uma pirada, era muita tragédia próxima.

Moro aqui em Taipas, perto da Brasilândia, que é onde ficavam os dois hospitais referência no tratamento de COVID-19. Em abril e maio eu nunca vi tanto carro funerário parado, nem mesmo no IML. 

Eu pensava “é gente que está morrendo”, era cena de guerra. Eu saía de casa uma ou duas vezes por mês para estocar comida em casa. O que me salvou foi o trabalho, o meu cachorro e eu voltei a estudar e tocar guitarra pra mim, fui compondo coisas novas.

Quando passou a primeira onda, que foi quando voltamos a sair na rua, foi muito estranho. Lembro da primeira vez, quando entramos em um estúdio e ficamos um olhando pra cara do outro, pensando se tirava a máscara para gravar a live.

E agora, depois que fomos vacinados, nossa, é uma libertação! Eu ia no posto de vacinação todo dia para saber se tinha sobrado alguma dose. Depois da minha primeira dose, eu sentei na pracinha em frente ao posto e comecei a chorar, mas foi um choro de alívio, que veio com a sensação de paz.

Ornella: Puts, entendo a emoção. Realmente estávamos esperando muito por esse momento, foram dois anos bem perturbadores.

Artur: Só quem viveu e levou a sério, sabe.

Ed: Pois é, e eu penso que a vacina é uma segurança a mais. Agora já é o terceiro grande show que fazemos. No primeiro show que fui, que estava cheio, eu fiquei incomodado, porém feliz. Não tirei a máscara em nenhum momento, só no carro. Agora na quarta dose, eu já estou mais tranquilo. Antes eu evitava dividir cômodos da minha casa com outros familiares.

Ornella: Entendo totalmente. Inclusive, durante essa época você disse que compôs bastante. O que você vai fazer com essas músicas? Vai lançar no Crexpo ou vai começar um projeto solo? “Ed Perfil” vem aí? hahaha.

Ed: Hahaha olha, eu fiz umas 12 ou 13 músicas. E compunha e mandava para o Marcelo (BA), já pensando que estava com o disco pronto. Quando voltamos a ensaiar, um olhou para a cara do outro e começamos umas músicas do zero. Eu falei “BA, tô com bode de tocar essas músicas que eu fiz na pandemia”. 

Elas fazem eu lembrar da época da pandemia, como eu estava me sentindo, o que estava acontecendo e começo a ficar mal. Vou deixar pra trabalhar nelas algum dia no futuro. Por enquanto está muito legal compor as coisas do começo.

Ornella: E as letras, quem escreve?

Ed: Xandão, 100% Xandão! haha.

Artur: Você estava comentando que é fã de Alceu Valença, trabalhou como segurança em balada de música árabe e jogou basquete nos anos 90. Como tudo isso influencia a forma como você compõe?

Ed: Tudo isso está presente na minha vida a todo momento. Por exemplo, eu pego um riff pra compor e hoje eu tenho um privilégio de ter o Xandão na banda, ele tem um vocal que não tem limites: ele canta rap, metal, reggae, hardcore, ele é um vocalista completo. 

Então o lance com a música árabe é que eu passei 7 anos da minha vida ouvindo diariamente, e ela tem uma melodia totalmente diferente para a gente do mundo latino, a percussão deles é bem forte. 

Parece que é tudo fora de tempo, os tambores tem muito chão. E em alguns momentos eu uso isso pra fazer alguma batida diferente ou marcar um contratempo. E tudo isso misturado com as experiências de nós 4, todos nós consumimos muita música. É como se a gente estivesse cozinhando e cada um traz um tempo diferente!

Ultimamente eu tenho retomado algumas coisas aleatórias, como por exemplo o Paulo Diniz, lembrei de quando eu pegava os discos que meu pai tinha dele e colocava na vitrola, isso também faz parte desse tempero que criamos ao longo do tempo.

Ornella: Animal, Ed! Aproveitando que você está retomando e ouvindo muitas coisas, recomenda um som, uma peça, uma música, ou um de cada. Enfim, recomenda o que você quiser para a galera que está lendo agora.

Ed: Olha, eu fui muito viciado em filmes nos anos 90. Muito viciado mesmo, eu ia na locadora e voltava com 6 fitas. Às vezes eu fico horas procurando um filme na Netflix e acabo assistindo “Um Príncipe em Nova York” pela milionésima vez.

Recentemente eu assisti de novo o filme “Malcolm X”, vi “Um Príncipe em Nova York 2”, “Fogo Contra Fogo” – um filmaço. Esse filme tem uma frase que segui ela a vida inteira que é “Nunca se apague a algo que não pode largar em 30 segundos”, que a única  vez que não segui isso em um trabalho, eu me ferrei. É o pior erro se apegar ao trabalho.

Eu tenho escutado Molho Negro, que entrou na minha playlist do nada, agora estou escutando o disco e tô achando bem legal. Tô escutando muito Bullet Bane, que são meus amigos, respeito demais toda a galera. Bayside Kings, porque gosto demais do Milton, são todos amigos. 

Também tô ouvindo Desalmado, Eskrota, Gloria Groove, Ginger, o disco solo do Mano Brown, o disco solo Ed Rock, MC Hariel, que é um moleque do funk, Lino Krizz e Ellen Oléria (ele pediu pra colocar a música flores no jardim). Enfim, é uma salada mista de coisas.

Artur: Vamos dificultar então, uma música que mudou sua vida, conta aí.

Ed: Puts…”Júri Racional” do Racionais. Mudou minha vida e quem ouvir ela com atenção vai sentir também, ainda mais nos dias de hoje em que o povo preto tá passando pelo o que tá passando. Poxa, matar uma pessoa com gás lacrimogêneo em uma viatura é um pesadelo, é uma maldade absurda. A gente falando já começa a dar uma embrulhada no estômago.

Mano brown
Ed com Mano Brown. Fonte: Instagram

Ornella: Concordo com você. Tenho a sensação de que ficou tudo muito escancarado, parece que depois da pandemia as pessoas estão agindo de forma muito mais extremada em situações banais. Claro que no caso da violência policial não é algo novo. Mas as notícias circulam mais hoje em dia também, temos vídeos, fotos, coisas que são horríveis de ver. 

Ed: Sim, o mais triste é que é pobre e preto matando preto pobre, o policial também era preto e pobre.

Ornella: Pois é, eu citei a pandemia, porque foi um marco para a saúde mental coletiva, que acredito que não superamos. Isso acabou criando esse clima de cada um por si, o descaso e o não gerenciamento da pandemia trouxe essa sensação de abandono, a coletividade foi rachando. Pelo menos é o que eu percebo, posso estar errada.

Ed: Cara, tive que caçar umas entrevistas minhas antigas para fazer um trampo e achei uma, de 2016 eu acho, que eu falava que o Brasil em menos de dois anos iria ter um presidente evangélico. 

Nessa época, eu estava com medo desses pastores de direita da televisão, o Bolsonaro é muito pior, ele é o extremo do estrume. Ele conseguiu reunir de tudo mais demoníaco, é só gente ruim ao lado dele.

Estamos vivendo um clima extremamente hostil para todas as minorias dentro desse governo. Se parar pra pensar, as “minorias” é muita gente, somos a maioria do país. É surreal.

Ornella: Sim, lendo as letras do Crexpo, percebo que vocês tratam bastante desses assuntos, sempre de uma maneira bem direta, o famoso “poucas ideias” haha. Claramente uma herança do rap, acho isso bem interessante. Percebo que normalmente esse papo mais reto vem de quem sofre, porque não tem mais o que florear, é a realidade nua e crua. O que você acha?

Ed: Eu concordo, porque ao longo da minha vida, eu fui entendendo que não posso me dar ao luxo de ficar nessa coisa lúdica e bonitinha. Não, não dá, nós estamos morrendo, estamos tomando 80 tiros dentro de um carro com a família. 

Poderia ser eu, poderia ser meu vizinho. Até hoje, quando ando de carro na madrugada e passo pela viatura, eu já acendo a luz e abro as janelas, é um comportamento automático. 

Ornella: Até essa coisa de ser mais direto, é visto como ser grosseiro. Porque não cumpre o papel que se espera, que é o de ser submisso e não ter voz. Então, ao invés de analisar o discurso, às vezes as pessoas ficam presas na forma do discurso, como se vivêssemos em um roteiro de filme e que a conversa é sempre do jeitinho que o protagonista quer. 

Ed: Claro, é bem assim. Mas existe uma linha tênue entre ser direto, ser conciso e ser grosseiro. Também não quero ficar apontando o dedo na cara de ninguém a todo momento, não acho que isso seja necessário. Quero informar, que as pessoas escutem o que temos a dizer, por mais difícil que seja.

Uma coisa que eu sempre tento trazer é que o movimento negro não é unânime, tem vários movimentos negros, várias maneiras de pensar, de agir e de lutar. E também não é porque é negro que é aliado, tem muitos que são inimigos, nesse governo temos uma tropa deles.

Ornella: Sim, é um assunto com muitas nuances, isso é importante ressaltar.

Ed: É muito abrangente. Como estávamos falando, hoje em dia o ambiente está favorável para as pessoas falarem merd* e serem preconceituosas em qualquer âmbito, isso é muito ruim.

Artur: Totalmente. Bom, pra gente finalizar mais pra cima, agora chegou a hora de falar pra gente sua música favorita do Legião Urbana!

Ed: Tem uma música que eu gosto muito, é bem bonitinha, chama “Sete Cidades”, faz eu lembrar de muitas pessoas que passaram pela minha vida.

Ornella: E agora vende teu peixe, né? hahaha. Como o pessoal pode conhecer a banda e ouvir o Crexpo? Divulga seus outros trampos também, fica à vontade!

Ed: Temos o Instagram (crexpobanda), lá tem o link pro Spotify, só chegar! Olha, o meu trampo como locutor está por aí, nas rádios hahaha. Tem alguns podcasts no Spotify também, como o Barulho da Onça do WWF Brasil, que foi uma gravação muito engraçada. Também tem um podcast do Fleury sobre como a medicina e a arte se misturam, que é muito bom.

Esse último que comentei sobre o Legião Urbana, é da Nova Brasil, aí fiz como sonoplasta. Tem do Legião, Barão Vermelho e Jovem Guarda, confiram lá!

Artur: Se puder, manda umas imagens pra gente, dessa fase que você jogava basquete nas antigas!

Ed: Olha, infelizmente tem muito pouco registro dessa época. Até pedi para uns amigos, mas ninguém tem, ninguém andava com câmera, né? Eram outros tempos, o que ficou está na memória mesmo, não tem imagem. 

Estava até lembrando esses tempos que nós fomos no Ibirapuera ver o Shaquille O’Neal, que fez uma apresentação pela Reebok. Era um super evento e nesse dia nem passava pela nossa cabeça tirar foto, infelizmente.

Ornella: Puts, que pena! Mas imagino que tenha sido maneiro o rolê hahaha.

Ed: Foi muito! tem até vídeo desse evento no YouTube.

Artur: Ed, muito obrigada pelo papo, foi ótimo conversar contigo como sempre!

Ornella: Cara, foi um prazer conhecê-lo! Obrigada pela conversa, você já é mais um escalado pra tomar uma cervejinha com a gente.

Ed: Que isso, gente! Eu que agradeço, de verdade. Nós estaremos tocando aqui em São Paulo em breve e vocês estão mais que convidados!

Ornella: Pode deixar. Galera que puder, vão ver o Crexpo ao vivo! Valeu, Ed, tamo junto!

Ed: Muito obrigada, gente!

Chegamos ao fim de mais um papo bom aqui no site. E aí, quer que a gente entreviste alguém? Manda aqui! Faltou alguma pergunta? Manda também! E fiquem de olho aqui no site nas nossas redes, porque a cada semana temos uma nova entrevista 😉

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