Entrevista dupla é o dobro de alegria! Nós tivemos o prazer de conversar com dois seres humanos maravilhosos, gente com a gente, simpatia lá em cima e energia gostosa d+! Estamos falando do Pedro (@peido_iaconis) e a Nathália (@nthfntr) da Grava (@_grava_).

Nós falamos um pouco sobre o processo de criação da Grava, como surgiu toda essa loucura, as influências, mudanças de rumos, histórias com a serigrafia, xilogravura, lambe lambe, costura, esportes e tudo que há de bom no mundo quando nos mantemos atentos e ativos.

Essa entrevista foi feita online no dia 14  de outubro de 2022, conduzida por essa que vos escreve (Ornella) e pelo Artur.

Segue com a gente:

Artur: E ai, Pedro, e aí, Nathália, como vocês estão?

Pedro: E aí, Artur, Ornella, tudo bem? Tudo certinho aqui.

Nathália: E aí, galera! 

Artur: Pedro, você falou que começou na serigrafia. De onde que nasceu esse interesse? Você sempre foi da arte? Eu sei que você manda muito bem na serigrafia, quero saber da onde veio seu interesse, como foi seu processo

Pedro: Acho que esse interesse surgiu desde criança. Sabe quando tem aquelas perguntas de professor, tipo “o que você se interessa? por que você faz isso?”, quando você é pequeno e recebe essas perguntas, eu respondia e até hoje a resposta é muito semelhante.
Eu sou um cara que gosta de fazer e desfazer as coisas, físicas e materiais. Desde um lance de serigrafia, o fazer e entender o processo, aquela curiosidade de “pô, como essa camiseta foi feita? Ah, é uma serigrafia”, mas como funciona a serigrafia?
Enfim, isso se aplica praticamente a tudo o que eu faço e o que tenho interesse, seja em um lance mais artístico, como a serigrafia, ou seja um lance mais técnico, tipo entender como se faz a regulagem numa máquina de lavar.
Minha máquina de lavar quebrou aqui e eu e meu amigo, que moramos juntos, desmontamos a máquina inteira. Então acho que sempre fui instigado em querer fazer coisas manuais, isso desde pivete.

Artur: Sempre teve essa curiosidade, né?

Pedro: Sim, sempre tive essa curiosidade. Um pouco mais pro lance artístico do que técnico, me interesso muito por técnica, coisas que precisa ler o manual, entender x y z, mas o lance artístico, mais solto e livre me interessa mais.
Antes de eu entender a serigrafia, eu mexi um pouco com stencil e técnicas livres como pintura, isso em época de escola, antes de colegial, fazia sticker. Na época que comecei a mexer com isso tinha o Orkut, e o Orkut foi uma ferramenta maravilhosa para mim, de conhecer muitas pessoas através dali.
Aliás, ontem tinha um amigo meu aqui da época de Orkut! Ele veio aqui em casa, o Bruno, ele tem um projeto que se chama A Cerca, um projeto gráfico maravilhoso e estávamos aqui ontem batendo papo. Nos conhecemos há 12 anos por causa de Orkut e por fazermos adesivos, sabe?
Então, esse lance de querer fazer as coisas, seja serigrafia ou stencil, isso sempre esteve muito presente na minha vida e isso tudo tem a ver com o que faço hoje em dia. A Nathália, por exemplo, está aqui agora por conta do lance de querer costurar, serigrafar, a casa que estou aqui só estou por conta dela comportar a oficina e a produção.
Enfim, acho que esse lance de serigrafia e outras coisas sempre estiveram na minha vida e acho que cada vez mais vão estar.

 

Artur: Sobre a serigrafia, eu sei que nós viemos da mesma escola, acho que posso chamar de escola, a Folhetaria. Lá na Folhetaria, pra quem não conhece, é um espaço aberto do Centro Cultural que vai gente de vários lugares diferentes da cidade. Queria saber como esse ambiente influenciou você de alguma forma, a forma como você cria? Eram pessoas diferentes e como foi conhecer essas pessoas? Já emendando a próxima pergunta, quem era a sua pessoa favorita da Folhetaria? Porque lá tem muita gente figura.

Pedro: A Folhetaria foi uma escola e ainda continua sendo. Na serigrafia foi uma escola pra mim, eu já tinha um pouco de noção, mas de novo bateu aquele lance do interesse de querer fazer. Eu já tinha pedido em alguns lugares que queimam tela para me ensinarem, aprendi uma coisa e outra mas sempre muito raso.
Quando conheci a Folhetaria eu falei “caralho, posso vir aqui, queimar tela, serigrafar aqui, aprender com pessoas que estão fazendo há mais tempo do que eu”. Aí comecei a frequentar o espaço.
Eu lembro que a primeira vez que fui lá foi total na curiosidade. Cheguei no CCSP, em uma outra oficina que tinha lá e comentaram dessa oficina de serigrafia e de xilogravura que é a Folhetaria. Pensei “vou descer pra dar uma olhada”, cheguei lá embaixo e o lugar é muito louco, é um lugar meio, sei lá, parece que você está num filme, tanto pela arquitetura quanto pelas pessoas que estão ali.
E aí fui lá sem material nenhum, vi o que era possível fazer e aí fodeu. Estava indo toda a semana lá, uma ou duas vezes por semana eu colava lá, criando coisa para fazer e foi dali que surgiu a primeira possibilidade de fazer a Grava surgir.
Na época, eu frequentava muito a Vila Mariana, então já botava na rota o CCSP. Lá eu fiz uma série de xilogravuras, que na verdade eram linoleogravuras – gravura no linóleo – fiz essa série e, uma das imagens, era esse capetinha rosa. Foi uma série de seis ou sete imagens, aí tirei umas imagens dali em tecido e papel.
Ah, observação, antes disso eu tive contato com a xilogravura em um curso do Sesc Pompeia, lá tem uns cursos semestrais maravilhosos e tem o de xilogravura. Eu fiz introdução à xilogravura, aí o projeto final do curso era você aplicar a xilogravura em uma superfície que não fosse papel. Eu fui pro tecido e era uma imagem totalmente aleatória, nada a ver com a Grava, fiz um tecido, achei animal o resultado.
Daí comecei no CCSP a fazer essas xilogravuras e serigrafias, fiz uma série, saiu o demônio rosa e disso começou a Grava. Mas é isso, é uma escola, porque surgiu ali a parada.
Eu tive a possibilidade de ter o contato com a xilogravura e a serigrafia ali, e dali surgiu a Grava. Sem contar as pessoas que eu conheci ali dentro, pessoas de todos os tipos, isso é muito maravilhoso. Você encontra pessoas que têm o triplo da sua idade e a visão da serigrafia dela é totalmente diferente da sua, por N questões.
Isso dá um “bum” na cabeça, é muito legal. Então, tive contato com pessoas de 60 anos, tive contato com uma galera de escola que ia fazer excursão lá, tinha molecada junto e isso era muito doido.
Existem muitas pessoas lá dentro que tenho muito carinho, acompanho até hoje os trabalhos e vejo a evolução da galera, isso é muito massa. As feiras fomentadas ali pela Folhetaria também são do caralho, é algo que deixa o pessoal animado, porque você produz para a feira, aí acaba pensando um pouco no lance de venda dos materiais e isso acaba instigando a te produzir mais.
Já participei de duas ou três feiras que organizaram lá, os materiais que eles disponibilizam deixa tudo muito mais acessível. Você queimar uma tela hoje é 80 reais, lá você leva seu material e faz, então deixa muito mais enxuto o custo e isso é maravilhoso.
Respondendo sua pergunta sobre as pessoas, eu tenho muito carinho pelo Rodrigo, que é um cara que está de monitor há uns 4 anos talvez. Ele é um cara extremamente técnico e apaixonado pelo trampo dele, é um cara que gosto muito de ter rolado a possibilidade de nos conhecermos ali. Ele me passou muita coisa, então acho que de pessoa e figura favorita, o Rodrigo é essa pessoa.

Ornella: Você comentou que conheceu seu amigo Bruno pelo Orkut, mas e a Nathália? Quando que ela entrou na Grava? Como vocês se encontraram, foi em um “Orkontro”? hahahaha

Pedro: hahaha, olha, foi quase isso. Nos conhecemos na internet pelo trampo, isso durante a pandemia, então a gente se conhece há pouco tempo. Aí a Natalia veio algumas vezes aqui na casa que é a Grava. Foi até engraçado porque, quando a gente se conheceu, foi logo quando me mudei para essa casa e foi aqui que a Grava realmente começou a rolar.
A Grava tem 6 anos, mas sempre foi meu plano B ou C de trampo e produção, sempre foquei muito em bicicletas, sou um cara muito ligado em bicicleta e todas as pessoas ao meu redor tem a ver com bicicleta.
Trampei 5 anos fazendo entrega, antes de ter ifood, aí depois trampei como mecânico de bike, trampei como construtor de bicicleta com solda, já fiz vários eventos, enfim, sempre foi a bicicleta.
Veio a pandemia e, na época, eu trabalhava como entregador e decidi me afastar da rua. Acabei trabalhando mais tempo como mecânico, porque administrava a mecânica e as entregas. Aprendi a soldar, virei soldador de bicicleta, mas chegou um momento em que eu tinha que decidir se eu realmente ia continuar com a Grava como ela estava, que era um plano B ou C, ou se eu ia assumir ela e levar como um trampo, como meu plano A.
O trampo de construtor de bike estava demandando muito do meu físico e mental, estava meio que esgotando e decidi focar na Grava. Por isso vim pra essa casa que eu tô agora, que é onde eu moro e é onde tem a Grava, aí uns 3 ou 4 meses depois conheci a Nathália. Ela veio aqui conhecer o espaço, estava tudo super recente e bem diferente do que tá hoje, tá mais estruturado hoje.

Nathália: Sim, só tinha a mesa de corte praticamente e a máquina.

Pedro: É, corte de tecido e máquina de costura só, bem enxuto. Tinha uns bercinhos, mas também bem enxutos. Aí a Nathália já manjava de costurar e eu também aprendi a costurar meio que na primeira semana de pandemia.

Nathália: É, eu costurava um pouco mais, comecei a costurar em 2018. Mas costurava pouco, nada do que faço agora que é praticamente todo dia. Eu costurava só pra mim mesma, pra aprender, então manjava um pouquinho mas a mesma coisa que o Pedro praticamente.

 

Pedro: É, e aí com isso a gente meio que começou a pensar em como usar o espaço em conjunto. Mas não ao ponto de estabelecer “é a Grava, não é, o que vai ser, o que é Nathália, o que é Pedro, o que é Grava”. As coisas começaram a funcionar de uma forma bem orgânica, até que chegamos num momento em que “é isso, é a Grava”.
Eu Pedro, você Nathália, nós somos a Grava. Vamos assumir isso aqui e meter bronca. Foi a partir daí que a gente realmente começou a levar mais como um trabalho, desde questão de produção, questão dos gastos, da divisão de funções, então é isso, tem um ano e meio mais ou menos. É algo relativamente recente e acho que de uma forma enxuta é isso, né, Nat?

 

Nathália: É basicamente isso, porque no começo eu vinha aqui, ficava meio olhando o Pedro, aí queria ajudar em alguma coisa. Aí comecei a trampar mais pra aprender também e, quando vi, já estava trampando junto, basicamente isso. 

Ornella: Muito legal isso, de ser algo que começa orgânico mesmo. Chegar e dar uma olhada, “posso fazer não sei o que? posso aprender?”, aí quando você percebe, está lá todo dia.

Pedro: Exato, foi bem isso mesmo! No começo, pra mim rolou algo meio de não saber o que fazer ao certo. Eu sempre fui quase autônomo com todos os meus trampos, nunca tive um trampo registrado, por exemplo. Minto, tive uma vez em época de estágio.
Enfim, eu já tinha essa noção de como é não saber quando vai fechar o mês, como vai fechar, se vai entrar grana ou não vai. Mas nos outros trampos que eu fazia com bike era um pouco mais certo, a Grava é um lance incerto até hoje, mas tá mais estável hoje.
Mas basicamente é saber que tem que fazer tal bolsinho, tal serigrafia e tentar vender isso, se não, não dá pra pagar as contas no final do mês. No começo, quando a Nathália começou a vir aqui e olhar, eu não sabia nem se a Grava ia bancar as minhas contas e as contas da Nathália. Tudo isso foi quase assustador, aquele friozinho na barriga, só que hoje em dia as coisas estão mais fluidas.
A Nathália estar na Grava atualmente é algo muito importante, porque a Grava não estaria onde está se a Nathália não estivesse aqui. Talvez ela nem estivesse existindo com tanta potência como está existindo agora. Eu acho que a Grava está no momento mais alto, então tá bem bacana, porque a gente tá junto aqui, se eu estivesse sozinho não estaria rolando dessa maneira.

Artur: Nathália, como você entrou no mundo da arte? Sempre teve interesse? Eu sei que você já costurava antes pelo o que eu entendi, mas qual que foi o seu caminho até hoje?

 

Nathália: O meu lance com a costura é bem recente também. Costuro há pouco tempo, pouco mais de cinco anos, eu acho. Mas eu nunca tive esse histórico como o Pedro, um histórico com a arte diretamente, era uma coisa pra mim, mais como um passatempo.
Eu mais via do que fazia, só que na pandemia eu foquei nisso, porque eu bordo, então antes da pandemia, eu comecei a bordar. Na pandemia acabei bordando mais para  passar o tempo, me enfiando mais nisso, já tava meio que começando a querer fazer umas coisas mais manuais mesmo, como pintar, ou seja qualquer atividade artística pra passar o tempo.
O bordado sempre foi uma coisa que eu gostei muito. Eu já costurava, mas fazer isso como arte ainda não, o mais próximo que eu cheguei disso foi com o bordado. Era uma coisa que me remetia a infância, o primeiro contato com bordado foi com a minha avó, então, quando eu voltei a fazer isso mais velha, era um lugar de acolhimento e não muito artístico.
Não me considero artista, acho que estou mais próxima de uma artesã talvez, mas é isso, comecei a costurar pra mim e tinha muita vontade de costurar pra consertar minhas roupas. Acabei comprando uma máquina de costura doméstica e aprendi em casa mesmo, pra consertar minhas próprias roupas.
A partir disso, comecei a bordar e acabou que nem consertei muito as minhas roupas, essa foi a grande pira, comecei a fazer pras pessoas, consertar mochila de amigo, roupa furada de não sei quem. Cheguei a fazer umas aulas de costura, cheguei a costurar umas roupas, mas nunca tive essa pira de fazer roupa.
Eu achava que era uma coisa que ia curtir muito, porque minha avó fazia isso. Quando ela era mais nova, costurava roupa para os filhos, então eu achei que ia curtir, mas acabei não gostando.
Eu compri a máquina em 2019 ou 2018, comecei a costurar umas pochetes e cheguei a fazer muitas pochetes, vendi várias pochetes e depois acabei arranjando um trampo fixo e larguei mão das pochetes. Ficava costurando mais bobeirinhas assim e, quando conheci o Pedro, voltei a costurar e a fazer as coisas.
Hoje em dia eu considero o trampo manual muito mais vivo na minha vida, antes era uma coisa mais esporádica, hoje em dia tenho muito mais contato, tenho muito mais conhecimento.

Ornella: Eu achei que você costurava a mais tempo, que vivia disso. Conta aí o que você fazia antes!

Nathália: Antes da pandemia eu trampava com seguros, já fiz até uma faculdade de administração, mas não cheguei a terminar.

Ornella: Bacana, acho engraçado essa vergonha que algumas pessoas têm de terem entrado em um curso meio nada a ver. Legal que você viu que não era pra você e foi atrás do seu.

Nathália: Quando fiz a faculdade de administração, eu descobri real que aquele meme das pessoas que não sabiam o que fazer, faziam administração. Era muito eu, porque no final eu já estava “caralho, o que eu tô fazendo aqui?”.
Mas foi isso, saí da escola, arranjei um trampo numa corretora e aquilo fazia sentido no momento. Acabei fazendo essa faculdade e não terminei, porque depois não quis mesmo, percebi que não queria. Antes da pandemia trampava com outro ramo do seguro, diretamente com a seguradora, não era mais corretora
Aí no começo de 2020, fui demitida por conta da pandemia, foi aí que percebi que era uma coisa que eu não curtia, não queria continuar fazendo. Acho que até por isso eu comecei a me interessar por outras coisas, a costura e esses trampos mais manuais.

Artur: Pelo o que eu entendi, você aprendeu sozinha a costurar, né? Normalmente, as pessoas que costuram falam “foi minha avó quem me ensinou, meu pai, minha mãe”. Você aprendeu sozinha?

Nathália: O primeiro contato que eu tive foi bem criancinha, foi minha avó quem passou de bordado e tal. Ela chegou a me ensinar, mas depois que cresci, quando eu procurei de novo a costura, foi meio sozinha mesmo.
Comprei a máquina e comecei a mexer, depois até cheguei a fazer umas aulas, mas acabou que nas aulas nem era com a máquina que eu tinha, era uma outra máquina que atualmente eu não uso, então foi aprendi basicamente sozinha, mexendo.

Artur: E você sente alguma coisa quando tá costurando? Você se sente em calma, em paz?

Nathália: Total, é uma atividade que eu realmente gosto de fazer, é como uma terapia real. Se eu puder, fico costurando 4 ou 5 horas, não é uma coisa que me exaure mentalmente, é uma atividade muito gostosa.

Ornella: É gostoso mesmo, eu gosto também! O barulho é ótimo e fazer uma linha reta dá uma baita alegria.

Pedro: Você também costura, Ornella? 

Ornella: Na verdade, eu brinco só. A minha avó também costurava, chamava “costurar pra fora”, uma coisa antiga. Minhas tias e minha mãe costuram bastante, elas tem as máquinas, então a gente se vira, eu já fiz algumas coisas aqui, mas nada elaborado. 

Pedro: Que massa!

Nathália: E é tão útil, né? Todo mundo deveria ter uma máquina de costura em casa. Às vezes, você quer tapar um buraquinho de uma roupa e acaba levando pra alguém fazer, sendo que é uma coisa tão simples, é algo que qualquer pessoa pode fazer.

Ornella: Concordo. Seria legal se todo mundo soubesse fazer uma barra ou dar uma reforçada naquela calça que você gosta e ta começando a rasgar. Esse conhecimento impede que entremos nessa lógica de roupa descartável, faz a gente entender os materiais, o que vale a pena investir, o que é de boa qualidade e vai durar bem.

Nathália: E ajuda a ter noção de que alguém que costurou aquilo, não foi uma máquina que fez. Pessoas costuram as roupas que a gente usa e isso é muito louco, acho que é uma coisa que as pessoas esquecem, um trampo que ninguém percebe.

Ornella: Concordo, passa despercebido, ainda mais hoje em dia com as fast fashion, onde pode ser uma criança, um adulto, uma idosa, pode ser qualquer um que está costurando e as pessoas não estão nem aí.

Artur: Hoje em dia é muito fácil você comprar a roupa de lugares suspeitos.

Pedro: Isso é foda, cara.

Artur: Agora, entrando na parte Grava, é muito massa que vocês trabalham juntos. Tem outras pessoas que trabalham com vocês? Como funciona essa dinâmica? 

Pedro: Posso me chamar de idealizador da Grava, saiu da minha cabeça isso e desde o começo nunca foi só eu diretamente assim. Acho que, de várias maneiras, a Grava sempre teve pessoas diretamente e indiretamente que ajudaram. Pessoas da folhetaria que sempre estiveram ali de alguma forma, porque eu usava o espaço de lá, então tem essa influência.
Aí tem os amigos e amigas também que sempre estiveram muito presentes. Antes quando não tinha tanto o lance de confecção, de realmente fazer todas as peças na unha, sempre tinha uma pessoa ou outra que ajudava, na questão de fazer uma estampa diferente, compartilhar um fornecedor não sei de onde, ou dá o toque que vai ter um show de um amigo e rola eu ir lá armar a barraquinha, para vender as paradas.
Então, desde sempre teve muita gente envolvida de formas diretas ou indiretas, só que eu era meio que a linha de frente. Depois que a Nathália entrou e que nos tornamos uma sociedade, isso ficou mais diluído, as coisas que saem da Grava, saem a partir de mim, da Nathália e também de outras pessoas sempre muito presentes.
Às vezes precisamos entregar alguma coisa, por exemplo uma camiseta pra fulana na rua tal, aí chega algum amigo e fala “Tô de bike, passo lá e levo pra ela”. Sempre tem essa interação entre muitas pessoas aqui dentro, né Nat?

Nathália: Isso, e nem tudo é produzido pela gente. Não temos funcionários, mas certos serviços também são terceirizados.

Pedro: Essa é uma conversa que a gente sempre fica um pouco em dúvida, a respeito de terceirizar ou não.Muitas das peças que fazemos, são peças específicas, que saem da nossa cabeça e que se quisermos terceirizar isso, não tem muito como fazer. São coisas muito específicas, não tem tanta referência sobre e, se a gente terceiriza isso, fica numa qualidade que não funciona pra gente.
Além disso, tem aquela questão de pagarmos um terço do que custa o produto final para terceirizar quem vai fazer essa peça. É uma pessoa, nós nem sabemos quem é, mas é uma pessoa que precisa estar recebendo legal por isso. Então, as peças que são terceirizadas, a camiseta por exemplo, a gente compra a malha e eu sei quem serigrafa, sei quem costura a camiseta.
Nós sabemos quem é todo mundo que faz parte do processo, isso faz com que a gente se sinta à vontade em terceirizar as peças. As primeiras bolsas que surgiram pela Grava, quem confeccionou mesmo foi um primo meu, então teve uma questão de preocupação nossa em terceirizar, seja pela qualidade ou por quem está fazendo essa parada.

Nathália: Acho que é importante pra gente fazer, até já discutimos isso, de que conseguimos fazer a bolsa, então porque que a gente não vai fazer? É importante pra gente conseguir executar a parada pelo menos.

Ornella: A ideia de trabalho coletivo é sempre interessante, é impossível fazer tudo do zero e esse cuidado com quem trabalha junto é muito importante. Imagino que as pessoas que vocês trabalham e que fazem a produção de algumas peças também tragam ideias ou contrapontos com as ideias de vocês, como vocês lidam com isso? 

Nathália: O lance de eu começar a trabalhar com o Pedro também veio desse impasse de ter que fazer as bolsas, de quem ia fazer. Meio que não tava rolando e eu podia ajudar, então bora fazer a bolsa nós mesmos? Bora!
Acho que esse foi um dos motivos de eu começar a trampar junto, pra não ter que terceirizar.

Pedro: Exatamente. O lance da Nathália estar na grava hoje em dia corresponde muito bem de uma forma não verbal o que é terceirizar ou não terceirizar, fazer ou não fazer. Eu cheguei em um momento em que tinha que decidir focar na Grava ou outros trampos, decidi focar na Grava, mas eu tinha as minhas limitações.
Limitações tanto de executar, físico e técnico, quanto limitações criativas e aquelas neuroses que batem para qualquer pessoa que quer criar um lance mais artístico e tal. A Nathália entrou junto e foi maravilhoso, porque proporcionou aumentar a produção, ter momentos mais relaxantes.

Nathália: E de conseguir pirar mais no produto também, de sair do jeito que nós queríamos. Quando se trabalha com outra pessoa, tem todo um lance de comunicação para a pessoa entender o que você quer, sabe? E quando fazemos aqui, nós temos essa comunicação na hora, criamos juntos.
Se surgirem ideias na execução, nós mesmos podemos descosturar e costurar, isso é muito bom. No final podemos olhar e falar “nossa, ficou do jeito que a gente queria!”. Precisou descosturar mil vezes e costurar mais mil, mas ficou do jeito que estava na nossa cabeça.

Pedro:Nós queremos cair mais pro role da roupa tem uns meses já, e a gente não tem o conhecimento e nem o maquinário pra isso. Então, aos poucos estamos procurando prestadores de serviço que façam com a gente.
Meio que respondendo a pergunta das limitações e criações, se o prestador falar “não, isso não rola”, o que acontece e até por isso que a gente faz nossas produções de bolsas. Nas roupas temos umas piras igual da bolsa, de fazer algo totalmente funcional, que a função vem antes da estética e, por conta disso, já pensamos num bolso diferente com uma linha não sei o que, aí se apresentarmos essa ideia pra uma oficina de costura e a responsável ali – seja uma costureira ou modelista -, falar “olha, isso não tem como fazer”, aí cai por terra a ideia de querer terceirizar as paradas, aí fudeu.
Tem coisas que só temos vontade de fazer porque tem um bolso de tal jeito, enfim,  só queria fazer essa calça por conta de um bolso específico e, se não rolar, voltamos pro começo, de não terceirizar.

Artur: Tem um fornecedor que se recusou a fazer já, não foi?

Pedro:Sim, um fornecedor de tela de serigrafia. Eu sempre tive um fetiche por tela de serigrafia em perfil de alumínio e, tem uns amigos nossos da Revista Comando, que fazem um trabalho incrível, pra quem não conhece recomendo conhecer aí!
Enfim, eles fazem trampos de xilogravura e serigrafia e, uma semana antes de eu falar com o fornecedor, falei com os meninos da Revista Comando. Eles falaram pra eu entrar em contato com um fornecedor, que ele faz umas telas fodas.
Entrei em contato com a vendedora e foi uma conversa de mais de uma hora, acertamos os detalhes da tela de serigrafia e no fim fiz dois orçamentos, um orçamento da tela queimada e um sem a tela queimada, porque era uma tela muito grande.
Mandei a arte pra vendedora, falei as dimensões e ela respondeu “eu não faço essa tela”. Na hora bateu uma dúvida, ela não ia fazer a tela por causa do tamanho, da técnica? Aí perguntei “Porque você não vai fazer?” E ela disse “não é nada disso, é por causa da imagem”. Cara, que loucura! No fim ficamos dando risada disso entre nós.

Ornella: Era a imagem do logo de vocês? A do capeta?

Pedro: Sim!

Nathália: Ela falou “Desculpa, mas não posso fazer essa imagem. Vou te passar pra outro vendedor”.

Pedro: No final das contas, ela passou pra outro vendedor e foi bem engraçado, porque ele veio falar com a gente de uma maneira já meio debochada. Acabou rolando o trampo, eles não queimaram, só pegamos ela lisa e nós mesmos queimamos. Mas foi um lance engraçado, essas coisas acontecem.

Ornella: Vocês estão amaldiçoando as empresas hahaha.

Pedro: Pois é! E o que rola muito desse lance da imagem são dois lugares diferentes, isso tem a ver com os Lambe lambe. Lambe lambe da Grava eu faço há muito tempo, já colei lambe em vários lugares diferentes e dá pra ver que dura muito pouco, porque alguém vai lá e pinta por cima, arrancam o reboco da parede para arrancar o lambe, tudo por conta da imagem.
Eu acho isso muito legal, porque ao mesmo tempo que rola isso, tem também as pessoas que usam a marca e se simpatizam entre elas. Toda semana, pelo menos duas pessoas vêm e falam “Fui num show do Zezinho –  show pequeno assim -, lá não sei de onde e encontrei uma pessoa com a camiseta da Grava”. Essas pessoas se comunicaram por conta de estarem usando a imagem, isso é um negócio muito louco.

Artur: E vocês nunca colocam o nome de vocês né? Nas roupas e tal.

Nathália: Na etiqueta tem.

Pedro: Na etiqueta interna está num detalhe e você acha, mas nunca foi uma imagem exposta, pra pessoa ver e falar ‘marca Grava, deixa eu pesquisar”, isso nunca rolou.

Artur: Isso é proposital?

Pedro: É proposital. É pra associar imagem e não nome. Muitas pessoas chegam em nós e falam “caralho, estava procurando vocês há mais de anos e não sabia o nome”. Eu acho isso muito legal, de instigar a pessoa a ir atrás.

Artur: É o anti marketing, né? De não facilitar, dificultar pras pessoas chegarem, assim elas valorizam muito mais. Vocês sentem uma pressão do mercado para tornar mais fácil? Ser mais agressivo? Sei lá, fazer uma collab. Como vocês entendem o mercado?

Pedro: Esse lance de mercado pega a gente dia sim e dia não. Infelizmente, a gente se compara com outras marcas e outras ideias, às vezes a gente se pega com uma mistura de recalque e indignação.
Vemos marcas, tipo uma C&A da vida, fazendo uma bolsa que às vezes é melhor que a nossa e com um preço mais barato. Aí você fala “fudeu, como vou bater com eles?”. Não tem como, tem uma camiseta melhor, mais barato, o que vamos fazer?
Produzir mais, tentar vender mais, vender em loja? Na verdade, a gente sempre acaba caindo no mesmo caminho de “Não, tá tudo bem, o nosso trampo é esse aqui, as pessoas que consomem nosso trampo consomem porque acreditam nisso”.
Estávamos falando nisso hoje, aliás. Uma pessoa que compra uma camiseta da Nike e uma pessoa que compra uma camiseta da Grava, são pessoas com comportamentos totalmente diferentes. Uma pessoa que compra uma camiseta da Grava, compra porque somos pessoas acessíveis, a proposta é outra, a forma de consumo é outra e isso é muito massa.
A gente acaba se aliviando dessa paranoia de vender, porque a gente entende que as pessoas que estão ao nosso redor são pessoas assim como nós, que tem tesão nas mesmas paradas.
Tipo vocês, estão aqui conversando com a gente por ter tesão pelas paradas, querem conhecer as pessoas. No fim, faz mais sentido a gente vender uma camiseta ao invés de vender 10, porque a gente tá aqui trocando ideia com vocês, isso é muito bacana e gratificante para nós.

Nathália: E, de certa forma, a gente pode participar de todo o processo de produção. O tanto que temos pra vender, nós mesmos vamos administrar e de fato fazer. Pra gente é importante fazer o rolê, é até massa o bagulho não tomar certas proporções por enquanto, a gente pensa muito nisso também

Ornella: Uma dualidade interessante, né? Entre criar e vender. Como vocês veem isso? Por mais que vocês tenham um público, passa pela cabeça de vocês algo meio “será que alguém vai comprar isso?”. Ou vocês são mais desencanados na hora de criar? Se ninguém comprar, vocês mesmos usam e daqui 30 anos quem sabe alguém descobre o que rolou.

Pedro: A gente falou disso ontem. Estávamos nós 3 sentados aqui na sala e o Bruno falou assim: “Daqui 10 anos a galera vai entender o que a gente tá fazendo aqui”. Mas daqui 10 anos fudeu, porque tenho 10 anos pra pagar de boleto.
Mas rola muito esse lance de “vamos criar um negócio assim assado e, se não vender, que se foda”. Esse ano a gente tá se organizando pra pegar feiras maiores, que eram feiras que nunca couberam no orçamento da Grava, tem feiras que você paga mil reais para expor um dia.
Quando era eu sozinho na Grava, nunca fiz isso, pelo contrário, já armei muito camelô. Já peguei feira que era mil conto pra expor e ficava na calçada de camelô. Esse ano a gente tá se perguntando: “vamos experimentar?”.
Pagar mil reais pra pegar uma feira bombada e ver no que que dá. E o que vamos vender nessas feiras? As bolsas que a gente faz ou pensamos numa bolsa mais comercial? Então, a gente chegou num ponto que temos que entender a produção e a onde colocar o dinheiro.
Já virou um lance de empreendedorismo né, coisa que nunca foi aqui. Só que, de novo, naquele lance consciente. É um empreendedorismo, mas tem o tesão antes e o se divertir antes de vender. A gente sempre fala isso, o mais importante aqui é se divertir. Se você se diverte costurando, costura. Se não se diverte costurando, não costure.

Ornella: E vocês são super do rolê dos esportes, né? Eu andava de bike, mas não sou uma conhecedora, só andava mesmo.

Artur: Mas é ai que tá o pulo do gato, a Grava não é só bike. Pouca gente sabe, mas é escalada também, né?

Pedro: Sim, eu sempre gostei muito de esporte e acho que os três esportes que mais estão na minha vida são: escalada, bike e skate. É muito louca essa minha relação com os esportes, porque todos que eu já pratiquei ou pratico, eu acabei trabalhando com eles.
O primeiro esporte que tive contato foi a escalada, quando era criança/adolescente e praticava num ginásio aqui em são Paulo. Na época, eu trabalhava no ginásio de final de semana. Depois da escalada, veio o skate, aí comecei a fazer shape de skate há uns 8 anos atrás e comecei a ter um pouco mais de noção, isso eu já tinha 18 anos.
Comecei a ter noção do dinheiro, como administrar alguma coisa pra ela funcionar. Depois, fui pro role da bike e nisso eu explorei muitas possibilidades de trampo, como falei, trabalhei com entrega, com mecânica, com solda, com eventos.
Eventos totalmente clandestinos, isso não dava grana, mas conheci muita gente no meio disso, viagens de bicicleta e tal. A Grava meio que estava nesse momento da minha vida, a Grava estava começando a funcionar na época que eu estava muito presente no mundo da bike.
Aí eu falei “peraí, deixa eu juntar a Grava com a bike”, e até por isso que começou a surgir o lance da confecção. A ideia era fazer essas bolsas para bicicleta, isso por conta de viagens de bike, eu sentia que não existiam bolsas na ideia que eu imaginava.
Já fiz algumas viagens de bike, a Nathália já fez algumas também, e aí surgiu uma necessidade de confeccionar bolsas de bike. Tanto que a maioria das bolsas que a gente confecciona aqui são bolsas de bike.
O esporte sempre esteve presente na minha vida e nas coisas que eu faço. A bike também tem um lance muito ativo e político, acho que isso sempre fez muito sentido com a Grava, porque a Grava não tem uma questão política diretamente, mas ela tem um entorno disso.
As pessoas que consomem a Grava são pessoas que seguem o rolê de bike, o rolê um pouco mais politizado ou o rolê de som. No começo, quando a Grava era mais focada em camiseta do que confecção, as pessoas no entorno eram muito pessoas do som, que sempre estavam com a galera de show.
Eu não toco, não tenho banda, mas os meus amigos dessa época, hoje em dia tem bar, tem banda, trazem bandas de fora pra tocar aqui, conhecem pessoas ao redor do mundo com banda e role ativista de som.
Então, sempre teve esse rolê mais politizado com a Grava, e com a bike não foi diferente, a Grava deve muito a cultura da bicicleta, porque no começo quem bancou o rolê foi a galera da bike.
Tanto bancou ideologicamente, dando força, estando presente nos eventos de bike que a Grava já apoiou e organizou, tanto comprando camiseta ou ajudando a organizar o evento. Então, tem esse lado que é muito importante, que a Grava deve muito a esse tipo de rolê.

Artur: Quando você fala skate, tá falando do pessoal da Lodo, né?

Pedro: Isso, a galera da Lodo, que os donos são o Rafa e o Bruno. A Lodo tem mais de 7 anos e eu conheço os caras há 10 anos, são meus irmãos, de conhecer mãe, pai, dividir casa.
A galera da Lodo é a mesma coisa da Grava, que é o role não só de fazer e vender, é um lugar onde o fazer e vender é a mesma coisa. A gente faz, e vender é a consequência disso, eles também tem um role político por trás.
A Grava e a Lodo poderia até rolar uma fusão de nomes, Gralodo, porque é a mesma pegada, mesma coisa. Rafa da Lodo estava aqui ontem, vai vir na semana que vem cortar uns shapes, enfim, estamos no mesmo buraco.
E você falou da escalada, então, eu voltei a praticar escalada depois de 9 anos parado e, um dos motivos de eu ter parado, é porque pra quem mora na capital é um esporte caro, tem que frequentar o ginásio e eu super entendo os ginásios serem caros, porque sei o trampo que dá manter um ginásio desses.
Não é simples, mas ter que pagar 300 reais por mês pra escalar fica difícil e aí parei de escalar. No final do ano passado, rolou uma doação de madeiras e agarras de escalada de uns amigos meus que tem um ginásio – que chama a Fabrica. Sou muito grato aos caras também, me deram várias paradas pra montar a parede aqui em casa, então a gente tem uma sala, que é nosso ateliê, e a sala de trás é uma parede de escalada tipo nível ginásio.
É uma parede muito boa e nisso eu voltei a praticar, a Nat começou a praticar também por causa dessa parede. E o público da escalada é um público que está disposto e aberto a entender produtos mais na pegada que fazemos, que são produtos um pouco mais técnicos, tecidos um pouco mais técnicos e, consequentemente, caros. É um público que funciona pra gente, então, estamos entrando nesse rolê aos pouquinhos.

Ornella: Essa proximidade com o esporte ajuda vocês a criarem uma cultura no entorno, isso é muito bacana. Inclusive de trazer pessoas do skate para a escalada ou para bike e vice-versa. Vocês consideram a Grava uma marca, um coletivo ou um projeto?

Pedro: Esse era um assunto que surgia muito no início da Grava, nas primeiras camisetas, nos primeiros lambes, o que é isso que estou fazendo, comecei a me questionar. Eu neguei por muito tempo de que era alguma coisa, dizia que era só um lance, ia lá na folhetaria e fazia umas coisas e só.
Chegou o momento onde tive que assumir o que era, chamar de alguma coisa, eu entendi que era uma interface entre as coisas que eu criava e, essas coisas, tinham os usuários. Então, era uma interface entre a criação e os usuários, até hoje falamos isso, por exemplo, vem uma pessoa retirar uma camiseta aqui, chamamos de usuário.
A Nathália até inventou um apelido, que é “zuzus”, porque a gente acredita muito nisso, não é exatamente um cliente, ele não tá só comprando. Acho muito mais tesão ir na feira expor e ter alguém que fica lá uma hora trocando ideia sobre o velcrinho que costuramos, do que alguém que vem, compra cinco coisas, paga no débito e vai embora.
Pra nós é muito mais legal essa troca de ideia com o usuário, uma pessoa que é como nós, que somos usuários das coisas que a gente faz, do que com um cliente e consumidor. Eu dei esse nome antes mesmo da Nathália estar na Grava, essa noção de que somos uma interface.

Nathália: Acho que isso tem relação com a gente poder fazer qualquer coisa, não se prende a uma marca de bolsa ou marca de camiseta, nós também fazemos os lambes e saímos pra colar na rua, cola adesivinho, coloca a parede de escalada.
É massa por conta disso, faz sentido ser uma interface, porque na hora que der na telha, a gente faz o que quiser e o que der pra fazer, não vamos ficar só na bolsinha. Uma parada que a gente sempre faz questão de saber, é se a pessoa tá usando a parada, se ela tá curtindo, se acha que pode melhorar alguma coisa ali que a gente não conseguiu pegar, é bem massa por conta disso. Até a pessoa que comprou participa do processo.
No fim das contas, acabamos atraindo pessoas que conversam, que gostam de saber como é feito, gosta de saber que é a gente quem faz. Ela não quer qualquer camiseta, ela quer essa, porque sabe que é a gente que faz e todo o processo que mostramos ali.

Artur: Quando fui lá na casa de vocês, que eu não sabia que era a casa de vocês, o Pedro já falou que eu poderia experimentar no quarto, o que é uma relação totalmente diferente de uma loja, do nada eu estava lá no quarto dele trocando de roupa. Quando saí com a camiseta na rua, o pessoal já veio comentar, o Rodrigo perguntou se eu tinha ido na Grava, enfim, é outra relação. 

Pedro: O que você falou foi massa, Artur. Você veio aqui, entrou, tomou uma água e foi lá no quarto experimentar a camiseta. Essa é a dinâmica que funcionamos, porque a gente acredita que é assim que tem que ser, uma mistura de muita coisa, vai da forma como acreditamos e a forma como realmente funciona.
Digo isso porque não conseguimos pagar dois aluguéis, morar num lugar e ter o ateliê em outro. Aqui a gente consegue dar uma enxugada nos gastos e, a partir desses gastos, a gente consegue reduzir também a ideia de não ser uma fast fashion da vida, de não ficar com a corda no pescoço todo mês.
É isso, mora e trampa no mesmo pico, recebe o Artur, o Mario, Zezinho, Chiquinha, daí a gente mora aqui, vai lá no quarto, experimenta, gostou ou não gostou, tá tudo certo. E é muito legal isso, porque se tivéssemos uma loja, fossemos investidores, não seria eu ou a Nathália ali, seria um vendedor que ia te receber, te vender, você ia embora e a gente não ia estar batendo esse papo agora.
Essas escolhas fazem sentido com a maneira que funcionamos. Talvez a gente fique com menos dinheiro do que poderíamos ter, mas a coisa funciona de uma forma muito mais gostosa.

Ornella: Acho que isso é uma maneira de viver o que acredita também e isso é muito importante. Como você falou da questão política, da bike, etc, não tem como simplesmente comprar ou alugar uma loja no shopping, um espaço para colocar uma pessoa ali. Quem tem essa coisa política coletiva, também tem essa sede de estar com o outro, de entender o outro.

Artur: Sou muito fã dos processos manuais e vocês também, gostaria de saber como esse processo manual impacta no resultado, impacta no seu processo, como é sua relação com o que você produz, seja trabalhando com linóleo, xilogravura, serigrafia.

Pedro: Antes da Grava ser o que ela é hoje, eu era uma mistura de inseguro com as coisas de produzia e, ao mesmo tempo, era mais abusado em termos gráficos, acabava experimentando mais coisas.
Hoje em dia, acabei me limitando um pouco à serigrafia, porque é a forma que a Grava funciona, mas até chegar no que ela é hoje, passamos por uma xilo, por uma linóleo, por stencil, passou por imagens que não eram exatamente essa aqui, que é o logo de hoje e esse processo foi muito legal.
Houve uma quantidade grande de experimentações e elas foram muito importantes, porque as primeiras camisetas da Grava não era só o capeta, era uma série de 5 ou 6 impressos diferentes, mas a proposta era a mesma.
Eu fazia todas com xilo ou linóleo gravura, um método de impressão que é manual, igual a serigrafia, mas acho que ele é mais manual ainda por conta de ser algo que cada uma sai de um jeito, com imperfeições.
Eu imprimia todas com essa técnica e era louco, porque as pessoas não entendiam essa impressão irregular da gravura, saia uma diferente da outra, uma saia mais nítida, outra mais apagadinha e as pessoas não entendiam esse processo da gravura.
Na época, eu vendia camiseta a 25 conto, eu pagava 14 na camiseta, comprava na galeria e ganhava 10 reais em cima de cada camiseta. Só vendia em feira, não tinha site, não tinha o instagram e, nas feiras, as pessoas não entendiam essa camiseta. Nessa época eu fazia camiseta, shape de skate, umas outras tranqueiras, minha barraca parecia um barracão, um monte de tranqueira.
Foi nesse momento que aparecia essa insegurança que falei no começo, eu era inseguro a respeito das coisas, porque às vezes produzia 3 ou 4 coisas diferente, totalmente diferentes umas das outras e nada vendia.
Com as camisetas, foi isso que aconteceu, vendia barato em qualquer lugar, era 25 conto a camiseta e ninguém comprava, eu gasto 40 minutos pra imprimir uma camiseta. Faço a matriz, passo a tinta, carimbo, tiro, seco, coloco pra estender.
Aí surgiu a ideia da serigrafia quando conheci o CCSP, a Folhetaria do CCSP. Pensei “po, rola jogar essa imagem do capeta rosa pra uma tela de silk”, porque a única que vendia era do capeta, as outras não vendiam.
Nisso eu decidi enxugar a produção, focar em um, fazer a tela e ver o que acontece. Fiz uma tela, comecei a serigrafar as camisetas com uma qualidade bem inferior do que é hoje, estava sempre aprendendo ali. Essa camiseta preta, por exemplo, tem que serigrafar o branco antes do rosa, é um trampo de louco, se você bate um pouco errado, não tem um gabarito ou um berço de serigrafia.
Você bate o rosa, ai você lava a tela, fiz várias peças assim, uma por uma sem gabarito. Era uma mesa de madeira, serigrafava o branco, lavava a tela, secava no secador, calçava certinho em cima e batia o rosa. Era uns 40 minutos pra fazer a camiseta, mas aí as pessoas começaram a entender, porque a produção conseguiu deixar algo legível e mais padronável.
A primeira leva de camisetas que fiz, acho que foram 20 ou 22 camisetas, que não foi uma por uma, peguei e fiz 20 de uma vez. A ideia era fazer um experimento,imprimir 20 camisetas e ver no que dá, fazer as contas, ver se financeiramente se paga e como a galera vai entender essa camiseta, se vai vender ou não.
Fiz 20 camisetas e vendi essas 20 muito rápido. Já estava usando o instagram na época e vendeu em uma postagem, falei “não é possível!”. Nunca tinha vendido nem perto de 20 camisetas numa feira. Nisso fui vendo que esse caminho funciona.
Fiz mais uma leva e vendeu novamente igual, super rápido. Foi aí que falei “é isso, vou seguir no caminho da serigrafia, usar só a cor rosa”. Na época, eu queria usar a cor fluor, fiz verde fluor, do rosa e algumas do amarelo e o rosa funcionou. Aí entrei na pira do preto com o rosa.
Na época, me interessava mais em conteúdos teóricos, sou pouco teórico de estudar teorias, mas na época estava interessado na teoria das cores e tal.

Artur: É amarelo, mas eu fui enganado, porque é laranja. Fui descobrir quando cheguei lá na galeria do rock, mas no pacotinho está escrito amarelo fluorescente. 

Pedro: Sim, é laranja. Enfim, dei uma estudada na teoria das cores, formas e, em cima dessa logo, eu pensei em outras superfícies e lugares pra aplicar isso. Foi aí que tudo começou, começou a surgir o lambe, os adesivos, a camiseta, o pano de chão, o não sei o quê.
E hoje está como está. Por pura pira de curiosidade e por sempre estar querendo fazer as paradas, hoje encontrei uma forma que funciona entre o financeiro e o que dá pra produzir.

Ornella: Nós conversamos com pessoas de outras áreas e como foi pra elas esse período da pandemia. Vocês comentaram que foi a época que entraram de cabeça na Grava, o que acaba divergindo do pessoal que trabalha com música ou teatro, por exemplo. Gostaria de saber como foi pra vocês esse “entrar de cabeça”, era tipo um refúgio? E se houve um limite, se em algum momento vocês cansaram também.

Nathália: Pra mim foi um timing perfeito, porque foi em um momento que eu tinha acabado de ser demitida do trampo, então eu estava com esse tempo livre e com vontade de descobrir outras paradas.
Eu não queria mais trampar com o que eu trampava, então foi maravilhoso, perfeito em questão de tempo e lugar, de ter conhecido o Pedro no mesmo momento de ter conseguido desenvolver essas paradas, justamente e infelizmente por causa da pandemia. Mas foi nesse tempo que tive a oportunidade de perceber que eu não queria mais fazer o que estava fazendo.
A gente conseguiu focar nisso aqui, descobrir outras coisas pra fazer, outra forma de ganhar dinheiro, que seja de uma forma que eu acredito também. Então, esse tempo da pandemia, foi um lugar de redescobrir as paradas que eu poderia fazer e fazer de um jeito diferente do que eu estava acostumada.
Talvez nada disso tivesse rolado se tudo continuasse “normal”, eu não teria tempo pra mexer com a costura, para aprender coisas novas.

Ornella: Achei interessante, porque vocês foram as primeiras pessoas que falaram que aproveitaram o tempo para criar coisas positivamente. Não pareceu aquele desespero que rolou com a maioria de nós, de “vamos criar porque preciso fazer alguma coisa, tô endoidando”, soou um período mais tranquilo, isso em termos de criação, não estou dizendo que estava tudo bem, claro. Parece que foi o empurrãozinho necessário pra vocês.

Pedro: Exatamente.

Nathália: Teve um momento de surto sim, quando rolou a pandemia, aquele grande surto, nós também sentimos o baque. Depois houve o momento de perceber que as coisas não iam se resolver tão cedo, então bora dar um jeito de acontecer assim mesmo, porque não queríamos mais voltar a fazer o que fazíamos antes. Foi tipo o fim do mundo e o começo de um novo mundo.

Pedro: Foi um momento muito louco. Juntando vários assuntos que a gente tem trocado aqui, eu lembrei dos últimos rolê que eu dei antes da pandemia. Um foi na folhetaria, que levei dois amigos que nunca tinham ido lá e foi muito foda, porque deu tempo de cada um fazer uma tela e, com essas telas, puderam levar embora porque eram deles.
De lá da folhetaria, fomos pro antigo lugar que eu morava, era um apartamento e não tinha uma oficina tão bem estruturada como é hoje aqui. Na sala do apartamento tinha uma mesa de canto que eu puxava e usava de ateliê.
Foi muito louco, porque no dia que a gente saiu da folhetaria, na mesma semana, entrou o papo de pandemia, só que eu fiquei um tempo fora de São Paulo. Quando voltei, meus amigos estavam com as telas e não tinham impresso nada ainda com elas e obviamente estavam loucos para imprimir.
Com o lance da pandemia, não tinha nem onde comprar tinta, não sabíamos se podíamos ver os amigos, aí falei “vem aqui pra casa vocês dois, eu tenho as tintas, tenho o rolo, traz a tela e vamos passar o dia inteiro pirando em serigrafia”.
Eles vieram e fizeram as impressões deles em camiseta, papel e tal. Nisso eu fiquei pensando o que iria imprimir, aí peguei uma tela da Grava, onde tem a etiqueta da nuca, que é um textinho. Pensei em imprimir isso em um tecido e ver no que dá, é uma tela fechadinha, são letras bem pequenininhas e eu nunca tinha impresso só a letrinha num tecido menor.
Imprimi nesse tecido pequeno e logo veio a ideia de fazer uma máscara com essa impressão. Aí já comecei a pirar em costurar máscara, porque eu estava com a máquina de costura há pouquíssimo tempo, tinha costurado poucas coisas e tinha um rolo de tecido de algodão.
Na época, eu não sabia se a máscara de algodão funcionava ou não, mas quis experimentar. As primeiras coisas que costurei pra valer foram máscaras, por conta da pandemia. Comecei a entrar na pira de modelagem da máscara pro rosto, eu nunca tinha pensado em modelagem de coisa alguma.
Fiz 12 modelagens, quase fiquei louco da cabeça, aí criei uma máscara que era pra pedalar. Ela tinha uma estrutura de arame por dentro para a máscara não entrar na boca quando fica ofegante. Eu estava sem trampo e falei “pronto, vou começar a fazer máscara”, aí fiz por um preço que era aberto, a pessoa paga de um centavo até quanto ela pode pagar e deu super certo.
Vendi umas 10, 15 máscaras. Tiveram pessoas que pagaram 3 reais, que eram pessoas que faziam entregas de bike, e uma galera que tinha grana e pagou 100 reais em uma máscara, vendi 15 máscaras e consegui uns 500 conto. Isso deu um ânimo, de querer costurar e querer serigrafar.
Isso não aconteceria se não tivesse a pandemia, porque não ia fazer uma máscara, não ia pensar em costurar um negócio, e foi onde surgiu a ideia de não trampar mais com bike, alugar um espaço e montar uma oficina maior.
Então tudo isso aqui que está rolando hoje, aconteceu porque infelizmente passamos pela pandemia, mas foi uma maneira que encontrei e a forma orgânica encontrou de fazer tudo isso funcionar.

Artur: E você pretender voltar lá na Folhetaria em breve?

Pedro: Sim, já to esquematizando uma tela aqui. A Nathália também vai lá pela primeira vez, a gente quer ir num futuro próximo, esse mês ou mês que vem.

Artur: Você comentou da etiqueta, que eu reparei que tem a letra de Electric Funeral.

Pedro: Exatamente, do Black Sabbath. Musica foda, a letra é maravilhosa. Acho que faz todo o sentido com a ideia da Grava, questão do consumo, a questão do contato das pessoas.

Ornella: Então bora pra questão musical, conta aí o que vocês gostam de ouvir pra produzir, escolar, pedalar, ou se ficam no silêncio também, sem julgamentos.

Nathália: Nunca estamos em silêncio aqui hahaha.

Pedro: Do caminho do quarto até a cozinha, passamos pela sala e lá tem uma caixa de som. A gente acorda, já pega o celular e liga o Spotify e pode por tanto uma Cumbia ou até um house, sabe? A gente é muito eclético com som, mas nossa ideologia musical acaba sendo punk e rock em geral.
Inclusive, tem nossa playlist no Spotify! Vocês vão pirar, na mesma playlist tem Sepultura e Madonna. E no fim é isso, a gente ouve isso, toca uma Cumbia, e quando vemos passou 10 horas assim e a gente costurando. Às vezes vai escalar e bota um The Cure, sabe. A música é muito presente no nosso trampo.

Ornella: E o que vocês estão assistindo ou lendo? Pode recomendar exposições que viram também, enfim, não precisa ser nada novo, pode ser “reassisti Titanic e achei foda”. Recomendem algo aí pra galera!

Nathália: Um filme que eu acho que é marcante, até assisti com o Pedro, foi “Gummo”, que tem a ver com bike, criancinhas.

Pedro: Acho que se jogar a Grava num filme, “Gummo” dá uma explicada. A trilha sonora tem muito a ver com as nossas playlist também, é algo bem semelhante. Já nas primeiras cenas começa tocando “Dragonaut” do Sleep, que os muleque anda de bike, muito foda. Uma cena de romance rolando com Madonna. Tudo uma criançada muito esquisita, rolê queer pra caralho, filme muito legal.

Ornella: Pô, tá aí um filme que várias pessoas já me falaram e eu tô devendo assistir!

Pedro: É um filme muito foda, acho que vocês vão curtir.

Artur: Animal, Pedro! Cara, quero agradecer muito a você e obrigado Nathália também por terem se disponibilizado a trocar essa conversa com a gente.

Pedro: Nós que agradecemos por vocês virem com a ideia dessa entrevista, valeu mesmo!

Nathália: Valeu, gente! Foi um prazer conversar com vocês, chamem sempre.

Ornella: Muito obrigada vocês dois pela conversa, foi um prazer imenso conhecer vocês e logo tamo junto escalando! Valeu!

E aí, conheciam a Grava? Já deu pra ver que é feito por pessoas incríveis, não é? Fiquem ligados que sempre sai uma entrevista bacana por aqui!

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